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Admirável mundo novo

COLUNA

SUGESTÃO DE LEITURA

por Elvira Hoffmann

Na companhia de “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, “1984”, de George OrwelI, costuma “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, ser considerado uma das maiores distopias literárias do século passado. Romance de ficção científica, publicado em 1932, apresenta uma sociedade dividida em castas, na qual a repressão para manutenção da paz é mantida por um Estado autoritário sem o emprego da violência, mas pelo controle de comportamentos e sentimentos. A estabilidade social é mantida mediante condicionamentos de forma genética, biológica e psicológica.


Na década seguinte à sua publicação, em 1946, o autor escreve em um prefácio: “As pessoas mal adaptadas à sua posição tendem a alimentar pensamentos perigosos sobre o sistema social e a contagiar os outros com seus descontentamentos. (...) Em Admirável Mundo Novo essa padronização do produto humano foi levada a extremos fantásticos, embora não, talvez, impossíveis.”

A família não existe mais, tal como a concebemos, o filho assim gerado seria visto como produto de um ato obsceno e condenável. Mãe, pai, irmãs e irmãos, esposos – tudo isso é inimaginável: “O lar, a casa – algumas peças exíguas, onde se apinhavam, de maneira sufocante, um homem, uma mulher periodicamente prolífica, um bando de meninos e meninas de todas as idades. Falta de ar, falta de espaço; uma prisão insuficientemente esterilizada; a obscuridade, a doença, os cheiros.”

Como se nasce, então? São humanos produzidos em laboratórios de incubação e geneticamente manipulados, de modo a dar forma a essa civilização rigidamente estruturada. Para isso, os embriões são submetidos a técnicas de manipulação e seleção, a fim de que seja possível obter a casta desejada.

São cinco castas: as crianças Alfas são extremamente inteligentes, vestem roupas cinzentas e exercem o poder e o controle e os altos cargos de mando. A segunda casta é a dos Betas que vestem roupas cor de amora, menos inteligentes, mas “civilizados”.

As castas restantes – Gama, vestindo verde; Delta, vestindo cáqui; e a Ípsilon, vestindo preto – sofrem o processo Bokanovsky: “A bokanovskização – disse o D.I.C., para concluir – consiste essencialmente numa série de paradas do desenvolvimento. Nós detemos o crescimento normal e, paradoxalmente, o ovo reage germinando em múltiplos brotos.”

Todos são programados ao sentimento de Consciência de Classe, que lhes é inculcado pelo processo chamado hipnopedia, quando adquirem e aceitam a própria condição, enquanto dormem.

A história acontece no século VII DF (Depois de Ford). Ford (Sua Fordeza) é a referência ao engenheiro americano Henry Ford (1863-1947), que revolucionou a indústria, ao criar a produção em série de automóveis. A produção de seres humanos também em série é facilitada pela ingestão controlada de uma substância, denominada Soma, que faz as pessoas se sentirem sempre felizes e aceitarem a própria condição de cada casta.

Para criar a atmosfera de contraste, a narrativa explora a viagem de personagens que visitam uma “reserva de selvagens”, que outra coisa não é senão a vida além do mundo certinho de onde vêm.

Nesta “reserva”, eles conhecem John, que foi gerado pelo modo tradicional e que, então, é levado a Nova Londres, sendo lá apresentado como um curioso espécime.

Aí surge o conflito que vai levar a narrativa a um epílogo surpreendente, que compromete a estabilidade desse mundo ideal (ou seria distópico?)

Interessante observar alguns aspectos previstos por Huxley, tais como o bebê de proveta, que surgiu apenas em 1978; a programação neurolinguística (PNL); o Cinema 4DX, aqui chamado de “cinema sensível”, onde se experimentam as sensações apresentadas na tela; a “pílula da felicidade” (Soma), hoje conhecido como Prozac; a pílula de estimulação sexual, a pastilha do Viagra, que surgiu em 1990.

Digna de observação é ainda a invenção do foguete que transporta os viajantes pelo mundo em passeios turísticos (cap. XVI). O foguete conseguiu sair da atmosfera terrestre somente em 1942. Esta ideia de turismo somente hoje está sendo tentada pelo SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos.

Fica aqui um derradeiro alerta: os livros impressos e publicados antes de 150 DF foram definitivamente suprimidos e proibidos. E os museus não existem mais...

 

Elvira Hoffmann é formada em Letras e Piano. Mestre em Semiótica. Foi professora do Estado (RS) e da Unisinos. Teve também cargos de direção em ambas. Hoje, aposentada, ministra aulas como voluntária no Pró Maior da Universidade, na área de Humanidades.

A revisão ortográfica deste texto é de total responsabilidade do seu autor ou assinante da postagem publicada. A revista Escape só responde pela revisão ortográfica das matérias, editoriais e notícias assinadas por ela.

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