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Fotografia é arte?

ARTIGO | OPINIÃO

por Cristiane D'Avila

"Por mais remoto que seja o valor único de uma arte tradicional há nela latente seu valor teológico, ainda que seja nas formas mais profanas e antigas do culto do Belo"







"Muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia alterado a própria natureza da arte".


(Walter Benjamin)


Sabemos que a indústria fotográfica instaurada na modernidade trouxe consigo efeitos sociológicos e culturais relevantes para a contemporaneidade. Desde sua invenção a fotografia vem exercendo influência sobre mudanças de comportamento, e tais mudanças serviram de fomento para que filósofos contemporâneos a contemplassem como um fenômeno digno de reflexão filosófica.


Na lente crítica de Walter Benjamin (1892-1940), a fotografia pode ser definida como a máquina propulsora da era da reprodutibilidade da obra de arte que culminará na perda da “aura” artística, assim como, na possibilidade de novas utilidades para a obra de arte, como o cinema que, com os avanços tecnológicos, passou de simples entretenimento para propaganda política, até uma reflexão sobre um novo papel para arte.


Walter Benjamin, inspirado nos conceitos marxistas entende que novos modos de produção capitalista suscitam significativas transformações culturais. Dentro deste panorama, Benjamin aponta-nos possíveis prognósticos sobre as tendências evolutivas da arte nas atuais condições produtivas, condições que levam em consideração uma nova possibilidade, a da reprodutibilidade técnica da obra de arte. O filósofo explica: "Os gregos só conheciam dois processos técnicos para a reprodução de obra de arte: o molde e a cunhagem. As moedas e terracotas eram as únicas obras de arte por eles fabricadas. Todas as demais eram únicas e tecnicamente irreprodutíveis. Por isso, precisavam ser únicas e construídas para a eternidade. Os gregos foram obrigados, pelo estágio de sua técnica a produzir valores eternos. Devem a essa circunstância o seu lugar privilegiado na história da arte [...]".


O conceito de aura de Benjamin leva-nos a perceber a importância do “aqui e agora” da obra de arte, a obra com aura é original e única, fruto de um momento, e carrega consigo toda uma história de vida ou, tudo aquilo que foi adquirido por uma tradição a qual ela representa. O filósofo insere ao conceito de aura, além da importância de sua unicidade, seu caráter ritualístico na origem da obra de arte. Segundo ele, por mais remoto que seja o valor único de uma arte tradicional há nela latente seu valor teológico, ainda que seja nas formas mais profanas e antigas do culto do Belo. Entretanto, no início do século XIX, a litografia, ainda em seus primórdios como técnica de reprodução, foi ultrapassada por uma técnica de reprodução verdadeiramente revolucionária: a fotografia; “pela primeira vez no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho”.


Com o avanço das técnicas de reprodutibilidade durante a modernidade, o conceito de obra de arte, segundo Benjamin, passa por uma transformação, como aponta o filósofo: "Muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia alterado a própria natureza da arte".


De acordo com Benjamin, quando a obra de arte perde sua aura, sua autenticidade é destruída, assim como seu sentido de sagrado; tal perda acontece a partir do momento em que uma obra original é reproduzida por meios técnicos em grande escala, e cópias do original são distribuídas às massas. Ademais, a aura também se atrofia no momento em que a própria arte acontece por meio de máquinas, ou seja, quando a arte, no ato de sua morfogênese intenciona multiplicar-se.


Diferentemente da arte pictórica, em relação ao olhar do olho na tela de pintura e ao olhar do olho na câmara fotográfica “a natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente”, portanto o olho da câmara inconsciente fixa imagens de um olhar consciente e, talvez seja essa mistura de olhares, ou seja, o olhar mecânico da máquina com olhar humano é o que traz à fotografia, devido a sua técnica exata, aquilo que Benjamin chamou de um “valor mágico”.

 
Cristiane d´Avila é fotógrafa e professora, foi fotojornalista do jornal O Estado de São Paulo e da Editora Abril e professora de fotografia na Universidade Paulista e no Centro Universitário Belas Artes para os cursos de publicidade e artes visuais. Vive em Garopaba desde 2002, é professora de filosofia, desenvolve um projeto de pesquisa de filosofia da fotografia.

A revisão ortográfica deste texto é de total responsabilidade do seu autor ou assinante da postagem publicada. A revista Escape só responde pela revisão ortográfica das matérias, editoriais e notícias assinadas por ela.

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