Ruidosa Harmonia - e outras poesias
POESIA | por Paulo José Brachtvogel

Ruidosa Harmonia
Entre as flores de algodão,
Melancolicamente entoado,
Para o embalo da fria e dolorosa labuta,
Reinventou-se,
Com progressão de acordes,
Com a melodia nas raízes do jazz
O suingue vibrante dos solos de guitarra,
Cantando o estado de espírito...
Superficialmente conheço o Blues,
Ou deduzo que o conheço,
Assim como suponho conhecer-me,
Sei da origem dele,
Assim como sei da minha
Meu “barômetro” se perde em pensamentos:
O do Blues em poesia...
Sou uma obra em andamento,
Indefinida, imperfeita,
Com ruídos desarmônicos,
Ante o clássico
Expressivo, sensual e vigoroso
O suingue paroxístico
A rítmica de poética simples,
Harmônica e perfeita...
Não resisto ao seu balanceio superno,
Mesmo que o quisesse
Assim como o Blues,
Eu também hei de mudar,
Ele invita à introspecção
Assim como em seu compasso ritmado,
Os pensamentos ondeiam,
Urdindo vários modos de experimentar o mundo
Já não sou o mesmo eu que residia em mim,
Não serei o mesmo do porvir...
Habita-me um grupo sucessivo de “eus”
Refuso o eu acabado e finito
Fora de mim, alheado ao que penso
As escaladas pentatônicas do Blues...
Olhando para dentro,
Antessinto o fluir do redivivo.
Translúcido, alumiado
Eu e minha cisma
O Blues é ignaro,
Composição e compositor, não.
Aleatoriamente tropológico
Pude sorvê-lo como um bom Merlot
De repente, flagrei-me a espreitar a filosofia,
Com a harmonia da gaita de boca,
Acerquei-me do saber...
O Monte
Sentindo o frio na espinha,
O vento levemente sopra a face,
Os pássaros, alvoroçados, cantam,
Diante dos olhos, um foço de luz,
Um extenso vale molhado da névoa,
De cores, aroma e sabores...
Naquele monte escarpado,
Um tesouro às escondidas,
Onde o sol não brilha, se põe...
Um interlúdio para reverenciar
Eu com minha alma em chamas,
Batimentos desalinhados,
Volúpia e simetria...
Tocando as pétalas desabrochadas,
A passo e passo, adentro o vestíbulo,
Desajuizado a explorar,
Desembainhado a dançar...
Abrandando os sussurros dos ventos,
Osculações abrasadas na cerviz,
Os pomos... pomos belos e bem delineados,
Aprecio-os, provieram do Éden
Como eles, o colo embebido
No enlace dos corpos, ofegantes,
os amantes entregam-se lascivamente,
sobre o outeiro, em cinesia suspirando em brasas...
Como testemunhas, os céus, os sóis e os deuses
Regozijam-se!
Ah, a natureza e sua beleza misteriosa...
As fímbrias a vascolejar
As borboletas a voar,
O deleite do poeta,
A moldura do artista...
Apego-me às memórias daquele Monte de Vênus!
Parca
Antes da partida,
Beijou-me a face
Com os olhos assenti,
Deixou-me nas mãos um embrulho
Junto dele, suas últimas palavras:
“Busque o equilíbrio,
No final da tarefa,
Estarei lá para conferir...”
Ao abrir, a surpresa:
vários quebra-cabeças
Entre as montagens,
Figuras sombrias,
Outras, contendo beleza,
Retratam o amor,
O perdão, a solidariedade,
a natureza,
Do nascer até o ocaso do Sol,
Cabe a mim a escolha do que montar...
Mas, de alguma forma,
Em algum lugar,
Em algum momento,
O trabalho terá que ser entregue
Neste dia, prestarei contas
É estranho... apesar das dificuldades,
Poderei levar comigo a sensação de alívio,
De liberdade,
De trabalho concluído
Ou não...

Paulo José Schmidt Brachtvogel é acadêmico de História da Unisinos. Amante das coisas boas e belas da vida, desde 2005 escreve sobre suas inquietações e sentimentos.
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