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Três poemas de PJ Brachtvogel

POESIA | por Paulo José Brachtvogel


Desperecer


Da janela, observo-o,

Todos os dias, está no mesmo lugar

Passa horas sentado no banco, no átrio

Ali, rodeado pela sebe, ermo, estático,

Demonstra que nada sente,

Mas nada sentindo, é porque sente

Seu silêncio dissente da alegria de outrora,

Ele era – o que não é mais

O sorriso formoso, de pele rosada

Tornou-se a face engelhada, esquálida

Absorto, de olhar distante...

A impressão de esperar algo, ou alguém

O amanhã que nos alegra, a ele, não mais,

Na insipidez, alheou-se de si,

Deixou que os candelabros se apagassem,

Antessinto sua melancolia,

No ignoto de seus pensamentos,

O perecer

Sofre sozinho, pelo amor e pela alegria

Que há dois anos, o cortejo levou...

Frações


Observando-me no espelho,

A face ligeiramente crispada,

Os cabelos, calvos e algumas cãs

Fostes tão depressa,

Nem pude me despedir,

Ainda lembro dos teus risos inocentes,

Das tuas travessuras

Sei que de mim te escondes,

Por detrás desta face já punida pelo tempo

Sinto-te viajando em meus pensamentos,

Carrego-te nos meus mais profundos desejos,

Nas minhas esperanças mais inocentes,

Nos meus mais doces sonhos,

Te conquistei aos poucos,

Mesmo que nascera meu,

Criei eu meu ser infinito

Embora finito

É o eu dentro de mim,

Foi e será passado amanhã,

Amanhã serei outro,

Mesmo amando aquele que hoje me habita,

Desejo o eu vindouro,

Iludo-me com ele,

Ele me fará evoluído

A insciência me tortura,

O atual, nada sabe,

O próximo, pouco mais do que nada

Recolho-me ao devir,

Conheço-te, foi meu por empréstimo,

Tuas mudanças,

Tuas transformações, tuas verdades,

Serviram-me de protótipo

Cada um foi único,

Por essência, original,

Cujas cópias atendem pelo mesmo nome

A ampulheta não para,

O espaço, o tempo,

Nascemos e morremos,

O que nos é comum

A diferença é o que fazemos nesse meio

Não há outra coisa que queira,

Senão a vida,

Para saciar meu desejo:

essa vontade ávida de vida,

Transformei-me em frações de mim mesmo...

Inconstância


Se fossem estes os meus últimos versos,

Como seriam?

Saudaria a natureza:

Tu me fazes tão bem...

Altiva, reverenciar-te-ei,

Senão em todos, mas na maior parte dos meus dias.

Admirarei a vestimenta verde opaca dos teus prados,

O frescor das árvores e dos arbustos frondosos,

As pétalas perfumadas,

Delicadas e aveludadas das rosas carmesins,

Compadeço-me, talvez por serem efêmeras...

Apreciarei o aroma das plumérias,

Dos jasmins, dos alisso-doces, das gardênias e das demais flóreas que embalsamam...

Atentarei para o cântico dos cardeais,

Dos trinca-ferros, das corruíras, dos sabiás do campo,

Dos azulões, dos uirapurus e de todos os pássaros canoros.

Cobiço essa liberdade e ousadia...

Contemplarei, do alto do outeiro,

O primeiro alvor,

A abóbada celeste,

Os matizes,

Resplandecendo os raios dourados

O régio,

Zonado, laranja-avermelhado

Até o ocaso flamejante de Helius.

Na noite, adorarei a lua, que reverbera sobre o mar suas vestes platinadas, digna da deidade de Selene.

Diante deles, revigorar-me-ei

A natureza é magistral, mas não sabe...

Não sabe de suas cores, aromas,

De sua majestosa beleza

Que vive...

Não sente, nem pensa,

Por isso é perfeita

Eu o sei, penso e sinto...

Pouco sei e só sei o que sei,

Nada disso me torna perpétuo, só imperfeito...

Quando partir, tudo que vi

Ficará do jeito que vi da última vez

Partirei, nada mudará

Se for o contrário, não será pela minha partida

Vivi ao meu próprio gosto, sem refusas,

Conhecendo a mim mesmo,

Sem apoquentar-me com o externo,

Unicamente com minha consciência.

Sou apenas uma gota, um grão que se diluirá

Tenho alma...

Já a natureza

Tem cor, brilho, imponência, plenitude...

Envolto no atro estarei numa comutação,

Mesmerizado com tamanha virtuosidade

A paixão por refletir

Torna impossível partir incólume...


 


Paulo José Schmidt Brachtvogel é acadêmico de História da Unisinos. Amante das coisas boas e belas da vida, desde 2005 escreve sobre suas inquietações e sentimentos.


A revisão ortográfica deste texto é de total responsabilidade do seu autor ou assinante da postagem publicada. A revista Escape só responde pela revisão ortográfica das matérias, editoriais e notícias assinadas por ela.

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