Elvira Hoffmann
13 de ago de 20203 min
COLUNA
por Elvira Hoffmann
Na década seguinte à sua publicação, em 1946, o autor escreve em um prefácio: “As pessoas mal adaptadas à sua posição tendem a alimentar pensamentos perigosos sobre o sistema social e a contagiar os outros com seus descontentamentos. (...) Em Admirável Mundo Novo essa padronização do produto humano foi levada a extremos fantásticos, embora não, talvez, impossíveis.”
A família não existe mais, tal como a concebemos, o filho assim gerado seria visto como produto de um ato obsceno e condenável. Mãe, pai, irmãs e irmãos, esposos – tudo isso é inimaginável: “O lar, a casa – algumas peças exíguas, onde se apinhavam, de maneira sufocante, um homem, uma mulher periodicamente prolífica, um bando de meninos e meninas de todas as idades. Falta de ar, falta de espaço; uma prisão insuficientemente esterilizada; a obscuridade, a doença, os cheiros.”
Como se nasce, então? São humanos produzidos em laboratórios de incubação e geneticamente manipulados, de modo a dar forma a essa civilização rigidamente estruturada. Para isso, os embriões são submetidos a técnicas de manipulação e seleção, a fim de que seja possível obter a casta desejada.
São cinco castas: as crianças Alfas são extremamente inteligentes, vestem roupas cinzentas e exercem o poder e o controle e os altos cargos de mando. A segunda casta é a dos Betas que vestem roupas cor de amora, menos inteligentes, mas “civilizados”.
As castas restantes – Gama, vestindo verde; Delta, vestindo cáqui; e a Ípsilon, vestindo preto – sofrem o processo Bokanovsky: “A bokanovskização – disse o D.I.C., para concluir – consiste essencialmente numa série de paradas do desenvolvimento. Nós detemos o crescimento normal e, paradoxalmente, o ovo reage germinando em múltiplos brotos.”
Todos são programados ao sentimento de Consciência de Classe, que lhes é inculcado pelo processo chamado hipnopedia, quando adquirem e aceitam a própria condição, enquanto dormem.
A história acontece no século VII DF (Depois de Ford). Ford (Sua Fordeza) é a referência ao engenheiro americano Henry Ford (1863-1947), que revolucionou a indústria, ao criar a produção em série de automóveis. A produção de seres humanos também em série é facilitada pela ingestão controlada de uma substância, denominada Soma, que faz as pessoas se sentirem sempre felizes e aceitarem a própria condição de cada casta.
Para criar a atmosfera de contraste, a narrativa explora a viagem de personagens que visitam uma “reserva de selvagens”, que outra coisa não é senão a vida além do mundo certinho de onde vêm.
Nesta “reserva”, eles conhecem John, que foi gerado pelo modo tradicional e que, então, é levado a Nova Londres, sendo lá apresentado como um curioso espécime.
Aí surge o conflito que vai levar a narrativa a um epílogo surpreendente, que compromete a estabilidade desse mundo ideal (ou seria distópico?)
Interessante observar alguns aspectos previstos por Huxley, tais como o bebê de proveta, que surgiu apenas em 1978; a programação neurolinguística (PNL); o Cinema 4DX, aqui chamado de “cinema sensível”, onde se experimentam as sensações apresentadas na tela; a “pílula da felicidade” (Soma), hoje conhecido como Prozac; a pílula de estimulação sexual, a pastilha do Viagra, que surgiu em 1990.
Digna de observação é ainda a invenção do foguete que transporta os viajantes pelo mundo em passeios turísticos (cap. XVI). O foguete conseguiu sair da atmosfera terrestre somente em 1942. Esta ideia de turismo somente hoje está sendo tentada pelo SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos.
Fica aqui um derradeiro alerta: os livros impressos e publicados antes de 150 DF foram definitivamente suprimidos e proibidos. E os museus não existem mais...
Elvira Hoffmann é formada em Letras e Piano. Mestre em Semiótica. Foi professora do Estado (RS) e da Unisinos. Teve também cargos de direção em ambas. Hoje, aposentada, ministra aulas como voluntária no Pró Maior da Universidade, na área de Humanidades.
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