A libélula e a fada
Atualizado: 9 de jun. de 2020
CONTO
por Ednézer von Ritter

Num jardim nativo de margaridas, no regaço de uma pradaria, encontraram-se uma libélula e uma fada. O sol muito recente já havia se erguido de maneira que as sombras se portavam ainda gigantescas. A fada cantava e dançava ao redor de uma daquelas flores amarelas. A libélula, situada no topo dessa flor, e por algum tempo já observando a fada, perguntou:
— Que dança é essa que você faz? Tantos giros, movimentos geométricos e repetidos?
A fada respondeu:
— É uma das tantas danças idealizadas para o bem das plantas. Enquanto canto fico tecendo um fluido energético para dar mais riqueza nas cores da margarida.
— Diga-me, cada um desses passos e movimentos correspondem a uma determinada função?
A fada reduziu o ritmo de seus movimentos e agraciada disse:
— Sim! Toda fada conhece bem sua tarefa e as performances seguem rigorosamente seus intentos. A libélula muito interessada continuou com suas indagações:
— Consigo perceber que alegremente entoa sua canção, mas não consigo escutá-la.
— E nem poderá mesmo, pois a música é dirigida somente para a flor. É cantada numa linguagem própria para as plantas. Eu, naturalmente escuto e me envolvo com minha canção. A planta, ao receber tal vibração, reage, robustecendo brilho e intensidade.
Depois, a fada retomou seu desempenho. A libélula ficou durante bom tempo apreciando-a e se lançou no ar afastando-se, procurando outra ambiência. A fada concentrou-se mais intensamente na sua faina. Pensou que provavelmente demoraria a rever a libélula. Enganou-se, sendo surpreendia com o retorno. Dessa vez, surgiu mais disposta e eufórica. Assim que pousou solicitou à fada:
— Você poderia cantar essa música para mim? De um modo que eu possa ouvir.
A fada achou muita graça e respondeu:
— Posso cantar sim, mas é muito provável que você não consiga escutá-la. Não saberia cantar essa música de outro modo. Mesmo assim, você pode tentar se embalar, copiando meus movimentos. O que acha?
A libélula gostou da ideia e, mesmo sem conseguir escutar a tal música, se pôs a dançar num embalo semelhante ao da fada. Depois, disse ter tido uma grande experiência. Agradeceu e novamente partiu. Em dado momento, lá estava ela novamente. E revelou à fada:
— Não consigo ir embora.
— E por que deveria se afastar da onde queres estar?
— Eu posso ir para onde bem desejar, mas como não é algo habitual as libélulas acompanharem fadas, não sei se estou fazendo o certo.
A fada disse:
— Sei. Cada um de nós tem sua natureza e costumes, mas penso que enquanto não estivermos prejudicando alguém, do nosso ou de outro mundo, e nem a nós mesmos, estamos no direito de usufruir daquilo que nos regala.
A fada disse ainda:
— Ah! Se eu pudesse, ao menos uma vez, bater asas e sair por aí, assim como você é capaz!
— Mas o que lhe impede de fazer isso?
— Sou uma fada, e as fadas, assim como a maioria dos seres elementais, não podem sair por aí do modo que os seres físicos podem. Temos nossas limitações.
— Que limitações são essas?
— Nascemos em certo reduto e não podemos nos afastar pela vinculação com o Ser Maior. Somos responsáveis pelo futuro deles.
— Plantas?
— No meu caso são plantas, mas existem seres que cuidam de: rocha, pedra, lago, vento, fogueira, e etc. Cada ser elemental segue seu designo.
— Ainda me soa estranho você não conseguir se locomover para onde bem quiser.
— É? Então veja isso!
A fada fez giros espetaculares e rodopiou numa velocidade inimaginável, depois cruzou a planta várias vezes, cruzando pelo interior de seu corpo, e em certo momento aparecia parcialmente de modo que a outra parte ficava escondida dentro do corpo da planta.
— Aposto que nenhuma libélula é capaz de executar esse tipo de manobra.
— Não! Essas manobras são impossíveis para nós!
— Então, agora você entende por que não podemos seguir voando por aí? Todos temos potencial e virtudes, ao passo que, temos evidentes limitações e fraquezas.
Sim! Entendo perfeitamente! Ainda assim, penso que você deve ser a criatura mais feliz que pode existir! Aliás, não deve conhecer a palavra tristeza.
— A palavra tristeza? Toda fada conhece sim. No entanto, sentimos a tristeza a partir do sentimento de dor do outro.
— E como é isso exatamente?
— Eu me afastei do reduto de minha vivência. Estou muito longe e não posso retornar. Isso deixa as fadas de meu convívio tristes. Por não saberem de meu paradeiro, por acreditarem que minha solidão é grande. Enfim, longe de minha família e consequentemente da Plantinha-Irmão.
— Entendi. E sua tristeza existe por conta de saber a tristeza de seus companheiros e vice-versa.
— Para nós, seres elementais, a tristeza do outro é a nossa tristeza. Aquilo que faz mal a outro nos atinge profundamente.
— Comovente isso! E o que poderia ser feito para atenuar ou mudar essa situação de você estar longe de seu reduto? Aliás, se não pode se transportar, como veio parar aqui?
— Boa pergunta agradável Libélula! Bem, vou resumir como as fadas conseguem se transportar para muito além. É através de uma bolha!
— Uma bolha?
— Sim! O orvalho do amanhecer, juntamente com os raios de luz, nos vivificam e por vezes acontece que, com a ação do vento, forma-se uma bolha e essa bolha nos transporta. A diferença é que a bolha logo estoura e normalmente não ficamos longe da planta. Temos a opção de realizar oito pulinhos e a bolha logo estoura.
— E você não fez os oito pulinhos porque estava apreciando a paisagem. É isso?
— Sim. E fui parar nessa linda planta que nos encontramos agora.
— Eu poderia lhe ajudar a retornar
— Agradeço, mas não há como. Já tentei, através de outros tantos orvalhos. As bolhas sempre estouram logo ou me levam ainda para mais longe.
— Eu tenho um plano.
— Plano?
— Sim. Dou-lhe uma carona. Suba em meu dorso e eu lhe conduzirei até o destino certo, através de sua orientação.
— Esse é o problema... como poderia lhe orientar? Como lhe disse, posso enxergar somente através da bolha.
— Eu sou um tipo bem familiarizado com a água. Posso fazer algumas aterrissagens muito bem calculadas e respingar água em você... quem sabe essas gotas possam lhe prestar serviço da visão?
— Que ideia formidável, mas deveremos percorrer muitos lugares até encontrar, eu acredito.
— Será uma grande aventura! Antes, me aguarde que vou molhar meu dorso para que você não tenha problema algum ao meu contato.
— Incrível como você consegue compreender tão bem o meu mundo!
A libélula deu rápida escapada e ressurgiu respingada. As duas saíram rumo ao saudoso reduto da fada. Percorreram muitos sítios e não foi tão fácil como inicialmente parecia, tiveram que pernoitar em alguns bosques durante quatro noites, haja vista que nem mesmo comunicação existia entre as duas quando a noite se aproximava. Assim, a cada amanhecer elas retornavam à jornada e desse modo, a fada pode deslumbrar as mais belas e encantadoras paisagens, verdejantes vales, montanhas cinzentas, montanhas esbranquiçadas, cachoeiras cândidas, pastagens que se confundiam com lagos e mares, mares que se confundiam com o céu. Sempre que a fada percebia que estava secando, lá ia a libélula novamente aterrissar em lagoas e fazer seus respingos sobre a sua querida fada. Em alguns momentos aproveitava a precipitação das águas das cachoeiras e em outros momentos ainda as gotículas das nuvens para reabastecer a umidade tão necessária para que a fada pudesse enxergar. E depois de cruzarem quatro arco-íris, a fada finalmente encontrou a sua planta de origem e todo o seu grupo. Desceram imediatamente. A libélula pousou em cima da planta onde foi apresentada para as outras fadas. A libélula não tinha o poder de enxergar algumas fadas que também não podiam a ver, mesmo assim foi uma grande experiência para todas. A libélula então disse:
— Tenho que partir. Foi a mais incrível experiência que já tive! Ter lhe conhecido e viajado com você!
— Querida Libélula faço minhas as suas palavras!
— Eu agora sei sobre a tristeza que você falava outrora.
— Mas, há uma grande diferença... você vai poder visitar-me quando bem quiser. Ao que me parece, não terá problema em reconhecer o trajeto?
— Verdade! Não terei problema. Antes de partir posso assistir suas danças ao redor da planta?
— Sim! Faça isso.
A libélula ficou por longo tempo admirando a dança das fadas e antes de partir chamou a fada e disse ao seu ouvido:
— Eu fui agraciada!
— Por nossa dança?
— Não somente por isso. Dessa vez, consegui escutar suas canções.
A libélula se despediu, levando em sua memória a canção das fadas, bem como a certeza de uma grande amizade. Enquanto a fada, ao ver a imagem da libélula sumir no horizonte, trazia em seu pensamento a certeza de que todas as manhãs aguardaria o retorno de sua sempre amiga...

Ednézer von Ritter é dramaturgo de origem e atua no mercado como escritor e roteirista desde 1992.
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