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Adolescentes são bichos tristes

Atualizado: 7 de ago. de 2020


Card design a partir da arte de Norman Rockwell

Mais uma vez, uma gurizada descendo minha rua, em direção ao Parcão, xingando minha cachorra que late no portão, dando chutes nas árvores e jogando coisas nos terrenos baldios.

Coincidentemente, horinhas antes eu ouvira uma reflexão de um filósofo, fazendo contraponto sobre a música Há Tempos do Legião Urbana.

Fiquei refletindo sobre a canção e sobre o que o filósofo disse e acabei colocando para ouvir esta banda que me foi importante na adolescência, pois representava tudo o que eu sentia naquela época.

Começa então, a tocar a musica Fábrica bem no momento em que aqueles três guris, que devem ter entre 15 e 18 anos, passam aqui na minha rua.


"Quero trabalhar em paz

Não é muito o que lhe peço

Eu quero um trabalho honesto

Em vez de escravidão"


O que estes rapazes estão fazendo para seu próprio bem? O que nós estamos permitindo que eles façam para seu próprio bem? Há elogios ou somente críticas? Há brigas ou também compaixão? Há concessões. Mas e as regras?


"Disciplina é liberdade

Compaixão é fortaleza

Ter bondade é ter coragem"


A reflexão que este filósofo faz da música Há Tempos interliga diretamente à minha reflexão, quando vi estes guris na minha rua, avulsos, sem nada nas mãos, sem um instrumento musical, sem um livro, sem uma sacola de supermercado... avulsos... Provavelmente, seus pais estão trabalhando em alguma fábrica, em comércio, em alguma obra neste momento. Devem retornar à noite para casa para continuar trabalhando para fazer janta, cuidar dos filhos menores, assistir ao noticiário. Mecânicos. Alienados. Sobrecarregados. Tristes. Exauridos. E estes adolescentes? Mecânicos. Alienados. Sobrecarregados. Tristes. Exauridos.


"Tua tristeza é tão exata

E hoje o dia é tão bonito

Já estamos acostumados

A não termos mais nem isso"


Eu fui uma adolescente muito complicada para meus pais. Eu tenho certeza de que eu os cansei muito. Os entristeci muito. Mas eu não conseguia fazer diferente. Eu não sabia fazer diferente. Mas, tampouco eles sabiam também. Eles fizeram todo o possível para me entender e cuidar de mim. E é clichê sim, mas a maior verdade universal é que a maioria das vezes, as pessoas só aprendem quando a água bate na bunda. Ou seja, quando tu passa pela mesma dificuldade que outrem. E foi assim comigo, quando minha filha atingiu a adolescência. Eu não soube discipliná-la como meus pais fizeram. Eu dei muito mais liberdade a ela que meus pais me deram. Não exigi tanto dela quando meus pais exigiram de mim. Não sei se fiz certo, se fiz errado, mas foi o que consegui fazer. E acredito piamente que ela tenha sofrido tanto quanto eu quando passou pelos 14, 16, 17, 19 anos... Pois a função de um adolescente é achar seu lugar no mundo. Adolescente é um bicho triste.


Mesmo com a diferença na educação que meus pais me deram e a que dei para minha filha, uma coisa nós combinamos e nunca faltou: amor incondicional.


E relembro daqueles guris que desceram a rua agora pouco, penso no que eles poderiam estar pensando, querendo, sonhando. Espero do fundo meu coração que eles tenham amor dos seus pais e que eles também amem seus pais. Espero que eles tenham uma ocupação em breve.


"Mas egoísta que eu sou

Me esqueci de ajudar

A ela como ela me ajudou

E não quis me separar


Ela também estava perdida

E por isso se agarrava a mim também

E eu me agarrava a ela

Porque eu não tinha mais ninguém"


No fundo, é isso que devemos fazer: eu me garro a ti, tu te agarra a mim, pois "É só o amor! É só o amor, Que conhece o que é verdade".

 
Cláudia Kunst,
produtora cultural e jornalista. Produz shows, bandas e projetos
há 20 anos. É quase uma workaholic e é apaixonada por música.
Adora tatuagens, carros antigos e botas empoeiradas
e um pouco de solitude.

A revisão ortográfica deste texto é de total responsabilidade do seu autor ou assinante da postagem publicada. A revista Escape só responde pela revisão ortográfica das matérias, editoriais e notícias assinadas por ela.

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